Batismo Infantil (Parte 1)

Pr. Kenneth Wieske 

O debate sobre o batismo infantil gira em torno da seguinte pergunta: Será que existe no Novo Testamento um mandamento ou ordenança para batizar os filhos dos crentes? Os anabatistas argumentam da seguinte forma: Já que no Novo Testamento não podemos achar uma ordenança clara para batizar crianças, então não devemos batizá-las. Para eles, isso fecha o assunto. Esse tipo de argumentação realmente não sustenta a tese, pois existe muito mais a ser dito sobre o assunto. 

O Novo Testamento não possui ordenanças ou instruções claras sobre muitas coisas que a igreja crê e pratica. Por exemplo, o Novo Testamento não diz em nenhum texto que a mulher deve participar da Santa Ceia, mesmo assim, todas as igrejas anabatistas permitem que as irmãs também possam participar dela. Usando os próprios argumentos dos anabatistas, eles não deveriam permitir esta participação feminina, pois nenhum texto fala sobre isso explicitamente. O mesmo diríamos sobre a Trindade, nenhum texto, nem no Antigo, nem no Novo Testamento fala claramente que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Usando o tipo de exegese e argumentação dos anabatistas, a igreja não deve crer na Trindade. A igreja de Cristo nunca tratou um texto bíblico da forma como os anabatistas tratam. O problema na discussão sobre o batismo infantil é um problema de metodologia. Se nós nos aproximamos da Bíblia com o pensamento de que a igreja só iniciou-se no dia de pentecostes, estamos desprezando e esquecendo milhares de anos da obra redentiva de Deus. De fato, um dos fatores mais significativos que contribui para o não entendimento sobre o batismo infantil é que, em geral, a continuidade da obra redentiva de Deus não é reconhecida, e a unidade da Bíblia, a unidade dos dois Testamentos, também não são reconhecidas. Isso é um segundo fator significativo que contribui para um desentendimento sobre o batismo infantil. 

Há, hoje em dia, muito desconhecimento sobre Eclesiologia, sobre o que é a Igreja. Se quisermos entender a prática do batismo infantil, devemos primeiro entender o que é a Igreja. Essas duas coisas estão interligadas. Quando é dada uma ênfase exagerada sobre a descontinuidade entre os dois Testamentos, e um desprezo desproporcional à unidade dos Testamentos, isso tem conseqüências sérias para a nossa Eclesiologia, e também tem conseqüências para nosso entendimento sobre os sacramentos, incluindo o entendimento sobre quem deve ser o sujeito do batismo. O desconhecimento da unidade dos Testamentos e da Eclesiologia contribuem para uma falta de entendimento sobre o batismo infantil. 

Mas há um terceiro fator. A exegese atomística trata a Bíblia como se fosse uma coleção de textos soltos, não vendo cada texto no contexto do capítulo, do livro, do Testamento e da Bíblia inteira. Não leva em consideração o contexto histórico-redentivo. Um exemplo muito forte desse erro é a constante citação do texto: “a letra mata, mas o Espírito vivifica”. O uso popular desse texto arranca-o do seu contexto para dar-lhe uma significação que não é bíblica. Portanto, se os pregadores tivessem textos para justificar o desprezo pela Palavra escrita de Deus, conforme o conceito popular, seria melhor buscar um insight do Espírito do que buscar a orientação da Sagrada Escritura; seria melhor buscar um “enchimento”, uma revelação do Espírito, do que buscar a orientação da Sagrada Escritura. Uma dependência profunda daquilo que é escrito na Bíblia tem sido visto, no mínimo, como falta de espiritualidade. Isso é resultado de uma exegese atomística. Podemos chamar esse modo de tratar o texto, de biblicismo.[1] Basta ler Paulo no seu contexto para ver que esse texto em 2 Coríntios 3:6 não é uma condenação da importância da Sagrada Escritura, não se refere à Sagrada Escritura em geral, mas à lei de Deus gravada com letras em pedras. Paulo está afirmando que debaixo da administração da lei o homem só pode esperar a morte porque ele não tem condições de cumprir o alto padrão de santidade que Deus exige nessa Lei. Deus mostrava ao homem sua incapacidade de cumprir a Lei. Isto foi algo glorioso, diz Paulo no capítulo, quando Deus escreve a sua Lei sobre nossos corações e quando o Espírito de Jesus habita em nós para nos dar a capacidade de vivermos conforme Sua Lei. O propósito de Paulo não é, de forma alguma, de desprezar a Palavra escrita. 

Quando continuamos em nossa exegese do texto, no contexto do Novo Testamento inteiro, vemos, entre outras coisas, que Paulo usa exatamente a mesma palavra “letra”, “a letra mata”. Ele usa essa palavra “grama”, em 2 Timóteo 3.14,15. (“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela que há em Cristo Jesus”). É a mesma palavra em grego. Em 2 Coríntios 3 ele falou que a letra mata e em 2 Timóteo ele diz: que pode tornar-te sábio para salvação pela fé em Cristo Jesus, então toda Escritura pode dar vida. Aqui ele usa a palavra gramata que é ligada com grama, no verso 15. 

No mínimo uma exegese honesta de 2 Coríntios 3 deve levar em consideração o que Paulo faz com a mesma palavra aqui em 2 Timóteo capítulo 3. Os anabatistas só conseguem aplicar o texto da forma que aplicam porque usam a forma biblicista de fazer sua exegese. Outro exemplo de biblicismo é o abuso do texto: “tudo posso naquele que me fortalece”. É uma vergonha como esse texto muitas vezes é distorcido e abusado para colocar uma fachada de piedade sobre a ganância e a cobiça daqueles que se dizem crentes. Claramente esse texto não diz o que muitas pessoas dizem que ele diz, basta ler o texto no seu contexto. 

Então, se queremos entender biblicamente a prática do batismo infantil é necessário que entendamos a unidade da Bíblia, que entendamos o conceito bíblico sobre o que é a Igreja e que tratemos com reverência os textos das Sagradas Escrituras no seu contexto bíblico e histórico redentivo. Com essas três coisas em mente nós vamos iniciar a consideração do nosso assunto não olhando inicialmente para o Novo Testamento, mas começando no início, no Antigo Testamento. 

Vejamos logo o primeiro capítulo da Bíblia, Gênesis capítulo 1. Habitualmente não se vê muitas pessoas falando sobre batismo infantil começando por Gênesis capítulo 1, mas é aí que o assunto começa. O que nós vemos no primeiro capítulo da Palavra de Deus, é que Ele criou o homem e a mulher com um propósito: “Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Então Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos; enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”. (v. 27-28). Aqui Deus se comunica com o homem e a mulher para lhes dar um mandato, qual é o mandato? Prestem bem atenção! Quando a bíblia repete alguma coisa três vezes, podemos ter certeza que é muito importante, isto porque basta Deus falar uma só vez e logo tudo acontece. Quando Deus falou: “haja luz”, falou uma vez, e houve luz. Quando Deus fala três vezes a mesma coisa é bom prestarmos bem atenção. A Bíblia fala: Santo, Santo, Santo é o Senhor. É uma repetição que comunica a profundidade infinita da santidade de Deus. E aqui, no capítulo 1 de Gênesis verso 28, Deus fala uma coisa três vezes, de três formas diferentes Ele fala a mesma coisa. Ele diz: sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. É uma ênfase significativa sobre o papel do homem aqui na terra. O texto deixa claro que Deus quer o mundo cheio de seres humanos que O amem e O sirvam. Vocês acham que Deus criou Adão e Eva para ficarem sozinhos nesta terra tão bonita que Ele criou? O claro propósito de Deus aqui no texto é de encher esta terra com filhos e filhas dEle. E o meio que Deus escolhe é a geração de filhos. 

[1] Palavra que se refere a um método excessivamente literal de interpretação. Enfatiza as palavras em si, rejeita qualquer tipo de método histórico-gramatical e freqüentemente emprega alguma forma de livre associação ou de uso de versículo fora do seu contexto, para comprovar um argumento.

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