Do livro: A Igreja Apostólica - que significa isto?


É muito comum os crentes professos fazerem distinção entre o essencial e o não essencial em religião e inferir que, se algum fato ou doutrina pertence exatamente a esta última classe, deve ser uma questão de pouca importância e pode, na prática, ser seguramente relegada a um plano secundário. A maioria das pessoas tira conclusões sem um exame prévio; não querem pagar o preço de pensar, pesquisar, de raciocinar sobre nada e um dos expedientes mais frequentemente adotados por elas para se livrarem da responsabilidade de usar a mente e desprezar algum fato que se julgue desagradável é dizer: “Esse problema não é essencial para salvação; portanto, não precisamos nos preocupar muito com isso”.



Se essa tal distinção for acertada, a conclusão dela inferida é, certamente, perigosa. Afirmar que um fato da revelação de Deus não é essencial para a salvação e que por essa causa deve ser irrelevante e pode ou não ser aceito por nós, é declarar um princípio cuja aplicação devastaria o cristianismo. Pois, quais são as verdades essenciais para a salvação? Não são estas: Que Deus existe; que todos os homens são pecadores; que o Filho de Deus morreu na cruz para salvar o pecador; e que todo aquele que crer no Senhor Jesus Cristo será salvo? Há boas razões para acreditarmos que não poucos gozam felicidade, por conhecerem agora pouco mais que essas coisas — os princípios elementares dos oráculos de Deus — o alfabeto do Cristianismo. E sendo assim, nenhuma outra verdade da Palavra de Deus pode ser considerada absolutamente necessária para a salvação. No entanto, se todas as outras verdades reveladas são irrelevantes porque não são essenciais para a salvação, o resultado é que o que está sendo negado é a importância da própria Palavra de Deus; porque em sua maior parte a Bíblia contém ensinos que, considerando a situação alegada, não são absolutamente necessários à felicidade eterna. Isso não altera o caso se considerarmos que o número de verdades fundamentais é bem maior. Quem se convencer de que só são importantes aquelas coisas a que tem o prazer de chamar de essenciais, sejam quantas forem, irá sem dúvida encurtar o seu credo e eliminar as raízes de muitas controvérsias. Todavia deixará de lado praticamente tudo exceto uma mui pequena porção das Escrituras. Se não mutila a Bíblia, tal princípio, no mínimo, estigmatiza a sua maior parte como irrelevante. Por sua preciosidade e pureza a Escritura é toda ouro, mas o toque mínimo de um tal princípio pode converter a sua maior parte em escória.

Embora nem todas as afirmações da bíblia possam ser consideradas absolutamente necessárias para a salvação, tudo que se encontra nela é essencial para algum outro sábio e importante propósito; pois, se não fosse assim, estas não teriam lugar na perfeita Palavra de Deus. A sabedoria humana pode errar na tentativa de especificar a intenção de cada parte da revelação de Deus, mas na eternidade nós iremos nos convencer de que nenhuma de suas partes era inútil e sem propósito. Toda Escritura é proveitosa. Um ensino das Escrituras pode não ser essencial para salvação e, no entanto, ser altamente importante para outro grande e gracioso propósito na economia de Deus – isso pode ser necessário para o nosso conforto pessoal, para nos direcionar na forma de viver a nossa vida, para nosso crescimento em santidade e, mais ainda, ser essencial para a totalidade do sistema da verdade divina. A lei de Deus é perfeita. Riscar da Bíblia uma verdade que possa parecer a mais irrelevante de todas seria o mesmo que tirar a perfeição da Lei do Senhor. Em arquitetura, o pino que preenche uma rachadura na parede ocupa uma posição inferior, se comparado à pedra angular; mas o construtor reconhece a importância tanto de um como da outra e que ambas fazem a sua parte na estabilidade e harmonia da casa. Numa construção naval, os parafusos e as porcas que seguram as peças de um navio são insignificantes se as compararmos, por exemplo, com as vigas de carvalho e com os mastros de pinho, mas cada um contribui totalmente para manter a segurança da embarcação e dos passageiros. Podemos dizer que o mesmo acontece na teologia cristã. Cada fato, grande ou pequeno, que a Deus aprouve revelar na Bíblia é, por isso mesmo, revestido de valor e tem razão de ser. E, conquanto talvez possa ser apropriadamente considerado como não essencial para a salvação, não merece ser tido como descartável.

Toda verdade divina é importante, embora nem todas as verdades divinas sejam igualmente importantes. A afirmação mais simples da Bíblia é para um ser imortal uma questão de muito maior relevância do que o mais sublime sentimento de um mero gênio humano. Uma carrega consigo o que a outra não contém — o selo da aprovação de Deus. Uma vem para nós do céu, a outra tem características terrenas. Uma tem para nós especial interesse, como porção integrante da Bíblia, que é a mensagem de Deus para cada indivíduo; a outra é a produção de uma mente meramente humana, para a qual nós e todo nosso interesse estava igualmente desconhe­cida. Qualquer verdade meramente humana é in­significante em comparação com a mais insignificante das verdades de Deus. A fé de um cristão deveria levá-lo a lutar para alcançar e se apegar a tudo que Deus honrou dando um lugar em Sua Palavra, cujo propósito é ser luz para os nossos pés, à medida que peregrinamos neste mundo tenebroso. Além disso, a Bíblia é diferente de todos os outros livros. A Palavra de Deus não deixará de existir. O céu e a terra passarão, mas as palavras de Cristo não passarão. O selo da eternidade está estampado em cada versículo da Bíblia. Isso é suficiente por si só para revestir cada linha da Bíblia de especial importância.

Com isso em mente, passamos à nossa exposição sobre a política eclesiástica. Poucas pessoas ousariam afirmar que uma correta compreensão sobre governo de Igreja é essencial para a salvação. Entretanto, seria insensatez tentar depreciar este assunto. O Espírito Santo trata deste tema nas Escrituras. O mundo cristão está dividido quanto a sua opinião sobre este assunto, desde a Reforma. Pessoa alguma pode se filiar a uma igreja cristã sem se colocar ao lado da verdade ou do erro nessa questão particular. E as posições que adotamos sobre este assunto são capazes de influenciar as nossas opiniões no que diz respeito à fé e à prática cristãs. Diante de tais fatos, embora não pos­samos considerar o governo da Igreja Neo-Testamentária como essencial à salvação humana não devemos, por outro lado, subestimar a sua importância.

As várias formas de governo de igreja que existem atualmente no mundo cristão podem ser classificadas em uma das seguintes categorias: Episcopal ou Prelado, Congregacional ou Independente e Presbiteriano. Não empregamos esses termos em sentido ofensivo, mas como termos mais precisos para denotar os seus respectivos sistemas. Episcopal é a forma de governo administrado pelos arcebispos, bispos, deãos, arcediago e outros oficiais eclesiásticos, dependendo de qual hierarquia; exemplos disto são a Igreja Grega, a Igreja Romana e a Igreja da Inglaterra. Congregacional é a forma de governo cujo princípio distintivo é a compreensão de que cada congregação separadamente, está sob Cristo e, portanto, não está sujeita a nenhuma jurisdição externa qualquer que seja, pois cada congregação tem, em seus oficiais e membros, todos os elementos necessários para o exercício do governo; exemplos disso são a Igreja Congregacional e a Igreja Batista. Presbiteriano é a forma de governo que é regido pelos presbíteros docentes e regentes reunidos em Conselho, Presbitério, Sínodo ou Assembleia Geral (que no Brasil denomina-se Supremo Concílio. N.E.); esta forma de governo é praticada pela Igreja Presbiteriana da Irlanda, Escócia, Inglaterra e Estados Unidos. Essas três formas de política eclesiástica são, até este momento, predominantes no mundo cristão. Na verdade, todas as outras organizações que qualquer grupo considerável de cristãos tem adotado é somente uma modificação ou mistura de alguns dos sistemas mencionados acima.

Um exame muito breve nos permite ver que estes três sistemas diferem amplamente em seus princípios característicos. E não apenas isso, o sistema Episcopal, em todos os seus princípios fundamentais, é oposto ao sistema Presbiteriano. E o sistema Congregacional por sua vez, em seus princípios fundamentais é oposto tanto ao sistema Episcopal quanto ao Presbiteriano. Podemos estar certos de que três sistemas que diferem tanto um do outro não podem estar todos embasados biblicamente e não podem, naturalmente, reivindicar que os seus respectivos defensores estejam igualmente certos. Está bem claro, além disso, que a Palavra de Deus, a nossa única regra de fé e de prática, não pode aprovar todos esses sistemas; isto porque, uma vez que a Palavra de Deus não se contradiz, ela não pode confirmar sistemas contra­ditórios. Um destes três sistemas deve estar de acordo com a vontade de Deus revelada na Bíblia e os outros não. Saber qual dos três é o verdadeiro deve ser uma matéria que exerce profundo interesse sobre cada filho de Deus. Entre todos os homens, os cristãos têm a obrigação de amar a verdade; e nós não estamos errados em supor que, se um cristão se convence sobre qual destes sistemas antagônicos tem o respaldo da Palavra de Deus, deveria defender este sistema com todas as suas forças e não daria qualquer tipo de apoio aos outros. Se alguém, depois de ver a diferença, continuar a defender o que não passa de mera invenção humana com a mesma con­sideração do que é divino, que dê adeus ao Cristianismo e pare de fingir que estima e ama a verdade. A religião de Jesus Cristo, a menos que estejamos redondamente enganados, exige que todos os cristãos amem o que é verdadeiro e desprezem o que é falso, que façam o que é certo e detestem o que é errado, que acolham o bem e abominem o mal. De forma que, se nós assumimos posições erradas e as estimamos como se fossem verdadeiras, isto é o mesmo que jogar na lata de lixo a mais básica exigência do Cristianismo. Geralmente a influência do cristão neste mundo é muito pequena mas, seja ela qual for, isso é um talento; seja o tempo, ou o dinheiro de que dispõe, ou a sua capacidade intelectual, ele terá de prestar contas a Deus. Terá que responder pelo fato de que deve estar ao lado da verdade e não contra ela.

Qual é, então, desses três sistemas de governo prevalecentes ao longo da história do mundo, que o cristão tem o dever de escolher e apoiar?
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Extraído do Capítulo 1 do livro A Igreja Apostólica - Que Significa Isto?
Por Thomas Witherow. Ed. Os Puritanos. Disponível em: https://www.amazon.com.br/dp/B004VTC4UK

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